segunda-feira, 27 de abril de 2015

Rio das Ostras mostra como o Reuni desperdiça bilhões Relatório da CGU sobre o programa de expansão de universidades do governo federal conclui que metade do dinheiro das obras de infraestrutura é mal gasto. Campus da Universidade Federal Fluminense obriga alunos a ter aulas em cointeineres

Estudantes da UFF lamentam estudar em contêineres podendo usar prédio recém inaugurado mas abandonado pelo Governo Federal por falta de verba
Estudantes da UFF lamentam estudar em contêineres e não poder usar prédio recém inaugurado mas abandonado pelo Governo Federal por falta de verba(Marcelo Régua/VEJA)
Uma das prioridades mais caras ao governo Lula na educação foi aumentar a quantidade de vagas no ensino superior. Buscava-se atender a uma demanda importante, já que 50% dos egressos do ensino médio não prosseguiam os estudos por falta de vaga nas universidades públicas e de dinheiro para pagar o curso em uma instituição particular. Para isso, foram criados dois programas: o Prouni, que dá bolsas aos alunos de faculdades privadas (desde 2005 foram concedidas 1,7 milhão), e o Reuni, de expansão das universidades federais. O dado positivo, porém, esconde uma realidade desanimadora, retratada de forma bastante concreta por um recente relatório da Controladoria Geral da União que analisou 88 obras do Reuni entre 2009 e 2014. O levantamento concluiu que metade do dinheiro das obras de infraestrutura foi mal gasto ou simplesmente desperdiçado. São 2,2 bilhões de reais destinados à construção de prédios, laboratórios, quadras esportivas, bandejões ou salas de aula que ainda não estão prontos ou foram simplesmente abandonados. Sem lugar para estudar, alunos se espremem em instalações precárias e superlotadas. No campus da Universidade Federal Fluminense (UFF) de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, eles se alojam em contêineres; em Angra dos Reis, serão transferidos para um prédio da prefeitura porque os alunos não cabem mais na antiga escola. A principal causa do desperdício, aponta o relatório da CGU, é que a expansão foi feita sem planejamento e as obras, sem fiscalização. "Tal situação é resultado de uma gestão que lança programas sem análise prévia, ampliando o ensino superior de maneira irrefletida e sem garantia de sustentabilidade", diz o sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade do Rio de Janeiro.
Criado em 2007 com o objetivo de acelerar o crescimento das universidades federais, o Reuni exigia que as instituições federais se expandissem rumo ao interior. Para ter direito aos recursos, cada universidade deveria apresentar um plano de aumento de cursos e vagas que levasse em conta a vocação econômica e o estágio de desenvolvimento de cada região. No entanto, o próprio MEC informa que repassava o dinheiro mesmo que os projetos tivessem apenas parte das informações, como os cursos a serem abertos, a quantidade de vagas, os municípios onde se instalariam, a data para iniciar a expansão e as necessidades de custeio e de investimento. Pelo plano de então, os pedidos tinham de ser feitos até 2010 e as obras deveriam ficar prontas até 2012. Quando se chegou ao ano final, o programa havia liberado 4,4 bilhões para obras e outros 3 bilhões para outras despesas, como a contratação de professores. Haviam sido criadas 8 novas universidades e 173 novos campi desde 2003. Mas boa parte das obras para receber alunos e professores ainda estava em andamento.
A Universidade Federal Fluminense, com sede em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, foi a que mais ampliou a quantidade de vagas. Desde 2007, a instituição quase dobrou o corpo discente, admitindo mais de 20.000 novos estudantes em nove cidades do interior. O campus de Rio das Ostras, criado dois anos antes, recebeu 1.700 desses alunos e dois novos cursos. De uma hora para a outra, a já tímida estrutura instalada em uma antiga escola municipal ficou superlotada. A solução encontrada pela reitoria foi alugar 38 contêineres para abrigar salas de aula, sala de professores e laboratórios e até estoques em caráter provisório.
À parte o aspecto de acampamento conferido ao campus pelos grandes caixotes brancos de alumínio que cercam a sede, o improviso ainda custa caro. Mais especificamente 1,4 milhão de reais por ano, sete vezes mais do que o orçamento anual de todo o campus. Em tese, os contêineres deveriam ter sido substituídos por três prédios já em 2009. Mas passaram-se cinco anos desde o final do prazo e a solução provisória passou a ser vista como definitiva pela comunidade escolar. "Alguns professores pediram exoneração, de tão desmotivados. Nem contamos mais com o prédio", reclama um professor de psicologia que preferiu não se identificar. O único dos três edifícios que ficou pronto ainda não tem água, nem energia elétrica. Nesse compasso de espera, materiais estocados precariamente nos contêineres, como artigos de papelaria, vão se deteriorando no calor e na umidade. Há três anos, um lote de computadores adquiridos para a nova sede estragou e foi jogado fora sem uso, segundo professores da unidade relataram a VEJA.
Os problemas constatados em Rio das Ostras são comuns a várias instituições fiscalizadas pela CGU. Do total, 30% não foram avaliadas por um técnico e continham falhas no projeto básico de engenharia. "Quando o governo acenou com o Reuni, muitas universidades saíram fazendo propostas para ampliar os cursos, antes mesmo de analisar as suas próprias condições e os problemas já existentes. Não havia nem técnicos para licitar e acompanhar as obras", diz Paulo Rizzo, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, a Andes. (Andes-SN). Segundo o MEC, o governo tem enviado mais dinheiro para as universidades. Tal medida teria reduzido a quantidade de obras paradas das 136 encontradas pela CGU para 97. Desde janeiro, porém, as universidades federais receberam apenas 70% do valor repassado normalmente, o que deve emperrar novos repasses.
Atrasos nas obras são um aspecto importante e muito visível dos problemas que acompanharam a recente expansão do ensino superior no Brasil. Mas há questões ainda mais críticas cujo impacto ainda não foi medido pelos órgãos de auditoria, puxando para baixo o nível de instituições que, em tese, deveriam estar oferecendo ensino de ponta: turmas muito grandes, algumas com 100 alunos; poucos professores, que acabam tendo de dar aulas sobre assuntos que não são suas especialidades; laboratórios decadentes.
"Estava no nono período da universidade estadual de Minas Gerais, em Passos, mas vim para a UFF de Rio das Ostras porque era federal. Quando cheguei aqui, me assustei. Não tinha sequer um hospital universitário", afirma o estudante de enfermagem Jânio Candido, de 28 anos. Os próprios alunos reclamam de terem aula com professores menos qualificados do que os das sedes, porque o concurso para lecionar no interior é menos disputado. "Abrir universidades públicas no interior quase sempre não faz sentido, porque há muitos cursos desconectados da demanda, faculdades sem condições de fazer pesquisas e um custo muito mais alto. O professor de universidade pública custa três vezes mais do que o das universidades particulares, que em geral está no interior há muito mais tempo", diz o economista Claudio Moura Castro. Para especialistas como Moura Castro, seria mais vantajoso aumentar as vagas do Prouni nessas universidades do que forçar as federais a expandir-se para além da capacidade, desperdiçando o dinheiro público.

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